Lá do início... onde a perspectiva era apenas um ponto de vista... Onde cresciam as emoções... 


Lear e sua Lorena

"Quando eu comecei lá em dois mil e onze, eu não sabia nem o que era drag. Eu era muito tímido, de passar mal pra apresentar trabalho na escola, essas coisas assim. Mas eu vi a necessidade de entrosar com as pessoas, só que é uma coisa que eu não conseguia por ser muito tímido. Além de sofrer homofobia, essas coisas assim, que a gente já sabe, né? Criança afeminada, é braba. Apanhava dos coleguinhas, das coleguinhas, isso tudo ia me limitando muito a ter a relação com as pessoas. Aí no primeiro ano, acho que do ensino médio, acho que foi, teve um cara na sala de aula, oferecendo aulas de teatro, que a escola ia até o teatro e tudo. Aí, eles tavam selecionando os personagens pra pra fazer um teste e uns personagens eram aí ele explicou que essa blusa tinha que ser bem escandalosa, que ela era uma perua, ela tinha que usar vestidão, peruca, salto alto, essas coisa toda de mais extravagante. E aquilo ali me brilhou o olho, né? Eu, eu sempre fui uma criança viada que eu adorava usar o sapato escondido. Adorava enrolar a toalha na cabeça, fingir que era meu cabelo, botar atrás da orelha, essas coisas assim, a gente ama. Eu vi que aquela ali podia ser uma coisa que eu ia gostar, não sabia o que era, mas eu me esforcei, tirei força, arranquei a timidez que eu tinha. E consegui esse papel. Ali que eu tive o primeiro contato com a transformação. Então, foi onde eu vi que eu me sentia poderosa em cima de um salto. Pra mim era um um personagem, uma bruxa e deu. Mas eu me sentia muito solto, muito feliz."


"Uma pessoa que é muito importante na minha vida é a minha mãe. A Lorena não existiria do jeito que existe se não fosse ela. Eu me assumi com quatorze ou quinze anos, acho que foi, foi difícil, não essa maravilha que o pessoal vê hoje. Ela monta meus looks, ela tira fotos comigo, ela me filma, ela faz vídeo, tudo. A gente ficou uns bons meses sem se falar. Quando eu comecei essa ideia do teatro, de me montar e tudo, pra afastar a fantasia, mulher, entre aspas, eu não podia me arrumar em casa, até em respeito a ela, que não gostava, que não entendia, porque a gente sabe, a minha mãe já tem quase setenta anos, a gente sabe que a criação, o convívio dela lá da infância, da adolescência foi outra, né? Era outra. Então, o pensamento é praticamente aquele "vai virar travesti, vai se prostituir, vai cair no mundo das drogas" e é isso. Essa mente fechada. Mas, com o tempo, então, também entendeu que isso fazia parte de mim, que é um artista, que eu tava apresentando a minha arte para as pessoas, que eu conseguia ganhar um dinheiro de forma honesta com isso e além de levar entretenimento, alegria, tanto pra mim quanto pra ela, quanto para os outros. E juntei a parte dela costurar, aos poucos eu fui tentando conversar com ela sobre ela fazer minhas roupas, uma blusinha, fazer um acessório, alguma coisa assim. E hoje somos melhores amigos. Ela não me deixa sair de casa, se não tiver do agrado dela. Ela pode até dizer, "ah! não gostei, você tá se sentindo bem? OK, mas eu não gostei". Ela me dá ideias de sapato, me dá ideias de cores de roupa. "Olha, essa peruca fica mais bonita com aquela roupa do que com essa". É o amor da minha vida! Não sei o que vai ser de mim sem ela, não sei. Mas é uma pessoa assim, muito especial, que aprendeu muito durante esses anos, nesses nove anos que eu me visto, assim. Ela evoluiu... porque voltando lá atrás no tempo aquela pessoa que quando eu me assumi fechou a cara e disse que não era possível ser gay, que nunca tinha tentado nada com uma mulher, como é que eu ia ser gay? Nunca tinha namorado, que eu nunca tinha feito nada, não era, não era possível o filho dela ser assim e hoje tá aí. A gente se ama, ela tem maior orgulho de mim. Isso aí, ela fala pra mim toda hora! Esses tempos eu fui tirar umas fotos lá na Baronesa (Parque da Baronesa - Pelotas/RS), já tava com uma peruca ruiva e ela tava me ajudando terminar o bordado da roupa e eu convidei ela pra ir comigo e falei: mas tu não vai ter vergonha de entrar comigo desse jeito? E ela: "Mas é claro que não! Eu vou entrar até de braço contigo"! E não é que entrou? Ela de bracinho comigo, eu montado daquele jeito, ela de muletinha, coisa mais mimosa. E parecia que ela tava mostrando um troféu pra todo mundo, sabe? Ela com a carinha dela de felicidade, coisa mais mimosa. E toda vez que eu eu tenho contato assim com ela de ter uma demonstração de afeto, de amor, assim, que eu vejo que muita gente não tem esse esse apoio da família, da mãe, do pai. É muito, muito boa a nossa relação."